PARA O ALMOÇO
Frederico Spencer
Pingos de sangue sobre a pia. Na faca, estilhaços da carne e o raio de sol que cinge o alumínio da manhã.
Nesta manhã, o silêncio e uma dúvida: o que fazer daquele corpo que, agora em pedaços, deve ser guardado urgentemente no gelo antes que apodreça e o seu fedor exale pela casa, pelos corredores e o edifício enfim acorde do seu sono?
Pensou em fatiá-lo, assim organizaria melhor seu transporte para onde quer que fosse, arrumou sacos e bandejas.
Pensou também em enfeitá-lo, com o gabinete da geladeira aberto, buscou legumes e verduras; o sal no armário, para protegê-lo da desintegração e apurar o paladar já que o suor não escorreria mais por sua pele.
Dúvidas sobre água ou óleo para ungir; enquanto o acariciava pensava: talvez esse fosse o único carinho que recebera por toda sua vida.
Leves batidas no lombo - uma última esperança de ressuscitação - inconscientemente pensava nisto.
Enquanto remexia naquele corpo, pensava nos membros da família - o que servir para o almoço naquele domingo? Um a um, começavam a chegar.